tag:blogger.com,1999:blog-83852543896323776942024-03-05T06:08:36.884-08:00F for FilmsÉ um blogg de Cinema, para quem gosta de Cinema...João Eçahttp://www.blogger.com/profile/07437740546670826688noreply@blogger.comBlogger2125tag:blogger.com,1999:blog-8385254389632377694.post-8308138630371598052012-12-20T20:50:00.003-08:002015-02-05T19:41:34.648-08:00Week-end<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<span style="font-family: inherit;"><i style="text-align: justify;"><span lang="DE" style="font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: DE;">Week-end </span></i><span lang="DE" style="font-size: 12pt; text-align: justify;">é o <i>Salò</i> de
Jean-Luc Godard. É um filme apocalíptico, que retoma o mundo virado ao avesso
de <i>Made in USA </i>(um dos inter-títulos,
neste filme utilizados ao extremo, refere-se às personagens como pertencendo a
um livro de Lewis Carroll), e que segue a viagem de um casal aos próprios abismos
da humanidade. Se <i>La Chinoise</i> era um
filme que assumia o radicalismo político de Godard do princípio ao fim, <i>Week-end </i>é mais do que isso: é uma
condenação sua à burguesia fascista de todo o mundo. Roland e Corinne (o casal
protagonista) embarcam numa viagem de carro para tentarem ficar com a herança
do pai dela, que têm andado a envenenar em pequenas doses há mais de cinco anos
e que está agora a morrer. O dinheiro, neste filme, compra tudo: no princípio, um
miúdo vestido de índio prega-lhes partidas e Roland passa-lhe umas notas para o
afastar. A viagem começa, mas cedo se revela um pesadelo em episódios: primeiro,
assistimos a um tiroteio entre Roland e Corinne e uns vizinhos por causa de um
risco que os primeiros fizeram ao carro dos segundos; segue-se a famosa cena do
desastre de automóvel que é filmada num plano-sequência em travelling de cerca
de oito minutos (em que a câmara vai acompanhando a fila de trânsito provocada
pelo acidente, na qual os condutores vão praticando as actividades mais incríveis,
completamente indiferentes à morte de uma família no acidente: de jogos de
xadrez a volleyball, de transporte de lamas e macacos a piqueniques e a
discussões violentas por um lugar na fila); depois o encontro com Joseph
Balsamo (filho de Deus e de Alexandre Dumas!), figura divina que recusa
milagres ao casal por estes só pedirem coisas materiais e supérfluas (um
Mercedes desportivo, um fim-de-semana com James Bond, um vestido Yves Saint
Laurent) e que lhes explica que o Cristianismo é a recusa do auto-conhecimento;
de seguida o encontro com Emily Brontë, que é imolada pelo casal, numa recusa burguesa
de todo o conhecimento filosófico e científico da humanidade; depois uma cena
em que Roland deixa Corinne ser violada por um transeunte sem levantar um dedo
para a ajudar; entre muitos outros surreais acontecimentos. Por fim, Roland e
Corinne chegam a casa da mãe desta e descobrem que ela se recusa a dividir a
herança do pai, que entretanto já morrera. Os dois assassinam a mãe e põe-se em
fuga, mas são raptados por um grupo terrorista de hippies maoístas que se
revelam canibais. A última sequência do filme (que dura aproximadamente vinte
minutos) acompanha os discursos ideológicos de várias das personagens
guerrilheiras, enquanto preparam alguns dos seus burgueses raptados para serem
comidos. Mao Tse-tung disse que era impossível fazerem-se omeletes sem ovos:
pois o que os hippies mais fazem é partir ovos. Godard, num constante jogo de
ironia, representa na sua <i>mise-en</i>-<i>scène</i> a constante tradução visual de
frases e discursos ideológicos de Esquerda. As acções daquele grupo de
fanáticos consiste na implementação literal da teoria política de Marx, Lenine,
Castro e Mao. Eles representam a vingança apocalíptica sobre os pecados da
burguesia. Corinne junta-se aos hippies e come Roland. Perto do fim, a câmara,
sempre independente da acção, ergue-se num movimento de grua que filma a água
de um lago. É a tranquilidade da natureza que Godard filma: esse plano é em
tudo semelhante aos últimos planos de <i>Pierrot
le Fou </i>e <i>Le Mépris</i>. Para além das
desgraças do homem, a força incomensurável da natureza e do mar. Mas em <i>Week-end</i> esse plano está montado aos
noventa e quatro minutos de filme: seguem-se ainda mais seis minutos que
testemunham um combate entre os hippies e forças de oposição e o plano final,
aterrador, de Corinne a devorar o seu marido. Que significa isto, senão que <i>Week-end</i> pretende testemunhar a
monstruosidade do ser humano? Em <i>Pierrot </i>e
<i>Le Mépris</i>, Godard acreditava ainda
numa certa tranquilidade da natureza, independente dos problemas do homem; em <i>Week-end</i> essa natureza já não serve de
nada, pois o homem e os seus crimes duram para além dela. Godard, cineasta
durante oito anos púdico (nos seus filmes nunca filmara o sexo senão
conceptualmente – como em <i>Une Femme
Mariée - </i>nem o corpo nu - aliás, famosa é uma das cenas iniciais de <i>Le Mépris</i> precisamente por Godard filmar
todas as partes do corpo de Brigitte Bardot sem nunca a mostrar verdadeiramente
nua), transforma-se em <i>Week-end</i> num
cineasta perverso: não só mostra o corpo nu por diversas vezes, sempre
representado como objecto de comércio, como começa o seu filme com um
plano-sequência de cerca de nove minutos em que Corinne descreve ao seu amante
uma <i>ménage à trois</i> em que participou:
essa experiência é descrita não com a infantilidade quase pueril de <i>Masculin Féminin </i>ou com o sentido de
libertação que o sexo adquire em <i>Une
Femme Mariée </i> e nem sequer com a já
cruel significação que <i>Vivre Sa Vie </i>ou
<i>2 ou 3 Choses </i>lhe conferem, a da
prostituição; em <i>Week-end</i> o sexo é
descrito como a mais horrenda das experiências: Corinne ao falar da sua <i>ménage</i> parece estar a descrever os
horrores de Auschwitz ou Dachau. A utilização de Godard do plano-sequência e da
profundidade de campo (experimentada em <i>Le
Mépris</i>, e aperfeiçoada nos três filmes que precederam <i>Week-end</i>)<i> </i>adquire aqui
(como tudo) um valor radical: não só se afirma como uma provocação constante ao
espectador (a experiência de ver o filme é, de certa maneira, tão horrível como
os horrores nele representados) como uma utilização exímia do pleonasmo, ou
seja, da repetição em <i>loop</i> dos mesmos
motivos (como um objecto de propaganda), mas também consagram a aproximação de
Godard a um certo cinema do tempo: em <i>Week-end</i>
é a duração dos planos que lhe confere o sentido (como nos seus últimos três
filmes, precisamente por cada vez mais recusarem a montagem). A câmara de
Godard adquire uma omnisciência inimaginável: numa constante dialéctica, muitas
vezes no mesmo plano, entre a imagem fixa e a imagem em movimento (seja em
travelling, panorâmica ou movimento de grua) ela vai-nos mostrando o que as
personagens não vêem, vai comentando ironicamente a acção, e descrevendo o
espaço independentemente do que nele acontece. Esta narração independente da
causalidade psicológica (conceito irrisório em <i>Week-end</i>) assume-se como fio condutor do filme e faz sentir ao
espectador que ele está a ser manipulado num jogo vertiginoso de alguém que já
sabe como o filme vai terminar (o que não acontecia em <i>2 ou 3 Choses</i> pela natureza auto-reflexiva desse filme). Em <i>Week-end</i>, o jogo de reflexão não sofre a
função de interrogação de <i>2 ou 3 Choses</i>:
é Brecht, como em <i>La Chinoise</i>¸ que
está em cada plano do filme. Godard não deixa nem por momentos que o espectador
se distraia de que está a ver um filme, de que não está a assistir à realidade:
os inter-títulos (“Este é um filme perdido no Cosmos“), os diálogos (“Este
filme é uma chatice, só encontramos pessoas doidas“), os olhares para a câmara,
os planos-sequência intermináveis, as personagens anacrónicas (Emily Brontë,
por exemplo), tudo converge nesse sentido. A quase recusa da montagem leva a
todo o já referido trabalho complexo de câmara e imagem (o director de
fotografia é Raoul Coutard, <i>habitué </i>de
Godard desde <i>À Bout de </i>Souffle), mas
também a um design de som fabuloso, que se prende com toda a ideia de pleonasmo
de <i>Week-end</i> (as infinitas buzinadelas
na cena do desastre de automóvel, por exemplo) e com uma utilização do <i>off </i>que cria no filme vários registos
simultâneos de sentido; mas é também uma utilização do simbolismo da cor sem
precedentes (o sangue de <i>Week-end</i> não
é sangue, é vermelho – e adquire portanto toda uma outra significação: vermelho
da bandeira dos EUA, por exemplo). Em <i>Week-end,
</i>apesar da sua aparente estrutura narrativa, os episódios sucedem-se não graças a uma lógica
de causalidade psicológica, mas graças a uma lógica de pensamento abstracto que
dita a ordem e a duração dos eventos descritos: os princípios do ensaio estão
aqui todos, da cena em que Corinne descreve a sua <i>ménage</i> (que importa isso para a narrativa?) à cena em que uma das
hippies morre cantando para a câmara (nunca chegamos sequer a saber quem é essa
personagem). O estilo <i>cinèma verité</i> é
aqui completamente posto de parte: tudo é artificial, nada tem a impressão de ser
casual: mesmo quando as personagens se dirigem para a câmara e falam para o
espectador, não é numa lógica de reflexão sobre si mesmas, mas de interpelação
constante e de criação de um efeito de distanciamento (a teatralização de todas
as cenas adquire um valor limite). As personagens tentam comunicar com o
espectador, uma vez que não conseguem comunicar entre si: é disso também que Godard
está a falar: <i>Week-end </i>é acerca da
incomunicabilidade entre as pessoas numa sociedade capitalista: Roland pedindo
informações a cadáveres ensanguentados na estrada, a personagem de Emily Brontë
que surge num dos momentos mais surreais do filme e que é imolada pelo casal,
proletários discutindo com burgueses ao longo da estrada, hippies guerrilheiros
que raptam capitalistas e que os devoram, tudo no filme confirma esta ideia. E
a pouca comunicação que existe é feita pela violência e pela morte: Roland quer
matar Corinne; Corine quer matar Roland; Roland e Corinne envenenam o pai desta
e depois assassinam a mãe quando ela se recusa a dividir a herança; no fim,
Roland é morto pelos hippies e comido por Corinne. Esta é supostamente
convertida para a causa hippie: mas que futuro há também para esses
guerrilheiros anti-burgueses, se eles próprios cometem os crimes mais atrozes?
A ambiguidade presente na obra de Godard atinge neste filme a sua expressão
mais radical: será que ele defende aqueles actos de canibalismo, aquela frase
que é dita por um dos hippies: “O horror da burguesia só pode ser vencido por
mais horror“? Não importa realmente: <i>Week-end</i>
é um filme de vingança, um filme de alguém que não esqueceu o fascismo e que
sabe que ele continua vivo na sua sociedade: tal como o <i>Salò </i>de Pasolini: um filme de monstros, para monstros, feito por um
monstro (porque a conclusão deste filme-ensaio é essa: de que a humanidade é,
toda ela, monstruosa). <i>Week-end</i> não
menciona a bomba atómica; bem que o podia ter feito: é a auto-destruição da
humanidade que está em causa (o inter-título final habitual em vez de dizer
apenas “FIM“, diz “FIM do Cinema“), e Godard, inevitavelmente, coloca a si
mesmo e ao espectador essa consciência e essa responsabilidade. Como o momento
(belíssimo, aliás) em que um revolucionário africano fala sobre o crescente
imperialismo americano e os seus olhos e os dos seus camaradas, direccionados
para a câmara, fazem uma interpelação directa ao espectador. É como se eles
dissessem: “E vocês, que vão fazer em relação a isto?“<i> </i>É por isso que <i>Week-end</i>,
tal como <i>Salò, </i>se tornou tão
controverso e acesamente discutido: é um filme incómodo: todas as verdades
sobre o homem estão nele contidas. “Um filme encontrado num caixote do lixo“,
comenta um dos inter-títulos no início. Está certo esse inter-título, porque é
a humanidade, em <i>Week-end,</i> o maior de
todos os caixotes do lixo. Existe apenas um momento de paz em todo o filme: a
cena em que o pianista a quem o casal dá boleia toca Mozart numa aldeia
francesa: não só esse momento é lindíssimo (a indiferença de Roland e Corinne,
os burgueses, é contraposta à sedução dos camponeses pela música) como
demonstra conceptualmente a ideologia de Brecht de arte para o povo (que tanto
influenciou Godard). Mas ao contrário de Mozart, Godard não nos quer dar
prazer: <i>Week-end</i> afirma-se ainda hoje
não só como um dos monumentais pesadelos da História do Cinema, mas também como
o derradeiro ensaio de Godard sobre a natureza monstruosa do homem.</span></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<span style="font-family: inherit;"><span lang="DE" style="font-size: 12pt; text-align: justify;"><br /></span></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgN3Fg5QYXJCwWNYkLmZhfDmkl9HIK55pfx1CC9Z_s4bY0a2bXP-TxcT5SEYuflcbHTN8WwXbgP0wiMORUXJoGhHWJsrbzp8PtAYJhrlpiPl-uDahhY3IW1rPLVtuTWhLAeHiOggdW_gXY/s1600/vw11.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgN3Fg5QYXJCwWNYkLmZhfDmkl9HIK55pfx1CC9Z_s4bY0a2bXP-TxcT5SEYuflcbHTN8WwXbgP0wiMORUXJoGhHWJsrbzp8PtAYJhrlpiPl-uDahhY3IW1rPLVtuTWhLAeHiOggdW_gXY/s640/vw11.jpg" height="261" width="400" /></a></div>
</div>
João Eçahttp://www.blogger.com/profile/07437740546670826688noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8385254389632377694.post-70964558686466528282012-11-02T10:12:00.003-07:002015-02-05T19:41:17.838-08:00Seis Personagens à Procura de Moral (O Gebo e a Sombra de Oliveira)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<span style="background-color: black; color: red;"><span style="font-family: Helvetica, Arial, Verdana, 'Lucida Grande', Georgia, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 16px;">Uma família, uma casa, uma sala. Uma câmara que nunca se move e que raramente abandona o espaço. Uma profundidade de campo a que nada escapa e, quando escapa, nos devolve um contra-campo. A família: o pai (Michael Lonsdale, o Gebo do título, na melhor interpretação masculina dos últimos tempos, seja em que filme for), a mãe (Claudia Cardinale, velhíssima sombra de uma das mulheres mais belas do cinema), a nora (Leonor Silveira numa das suas raras interpretações aceitáveis – costuma ser péssima) e Ricardo Trêpa (atrasado mental que destrói parte fundamental do filme e que Oliveira insiste em usar como uma espécie de alter-ego sem se aperceber do quão prejudicial ele é para os seus filmes; é ele pois a sombra do filme, o filho – não pródigo, é certo – que regressa a casa após oito anos de ausência). Dois convidados chegam também: Jeanne Moreau (num estado físico semelhante ao de Cardinale) e Luís Miguel Cintra (razoável, embora caindo um pouco no cabotinismo). Moreau é uma velha tentada pelo </span><a href="http://mubi.com/reviews/27488#" id="_GPLITA_2" in_rurl="http://i.trkjmp.com/click?v=UFQ6MTg0MTk6MzQxOmRpbmhlaXJvOjI0M2YxNDZiNGMxMzI2Nzc2ZmJkMmVmOGExYTdlNGU0OnotMTA2My0xNTIyNzptdWJpLmNvbTo0MzIwOjEzMDY1NzViMWE3ZDZkOWVjYjExYWZmN2YzNGUwMGM2" style="border: 0px; font-family: Helvetica, Arial, Verdana, 'Lucida Grande', Georgia, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 16px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;" title="Click to Continue > by DownloadNSave">dinheiro</a><span style="font-family: Helvetica, Arial, Verdana, 'Lucida Grande', Georgia, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 16px;"> (o momento em que ela acaricia o baú de Gebo é genial) mas que vive na pobreza e que é forçada a resignar-se; Cintra é um actor, representando a figura do artista, que se queixa da falta de dinheiro para as suas peças mas que vive preso ao seu mundo de fantasia, à flauta que lhe falta mas que ele insiste em tocar. O pai, Gebo, é um velho que segue apenas uma doutrina: a do dever. O seu dever prende-se com a humildade, a pobreza, o cumprimento das normas, a aceitação da vida como ela lhe surge. O filho é o oposto do pai. Rouba, mata e ri-se disso com uma malícia que seria devastadora se fosse outro o actor. Ele é a figura Nietzschiana do filme: reconhece o vazio da existência, aceita o Nada como princípio, procura tudo sentir, independentemente das falhas morais que isso acarrete: aliás, melhor dizendo, esta personagem é anti-moral em todos os aspectos do termo. E é precisamente esse o grande tópico que estas seis figuras discutem, do princípio ao fim: o que é a moral? A nora e a mãe, embora duvidando da inflexibilidade dogmática de Gebo, tremem de pavor ante as atrocidades do filho e ficam presas num limbo do qual não há saída. O filme é por isso austero como poucos chegam a ser: propõe apenas dois caminhos: o dever espiritual associado à miséria material; e a negação da moral através do crime que conduz à riqueza pecaminosa. No fim, depois de a “Sombra” roubar o cofre de Gebo (ele é contabilista de uma empresa e guarda o dinheiro da mesma em casa) e fugir sabe-se lá para onde, o pobre velho entrega-se à polícia em lugar do filho. É nesse momento que as sombras invadem a casa pela única vez, casa essa escuríssima mas sempre iluminada (como um interior a óleo de Vermeer ou Rembrandt). Mas antes desse momento, o sentido de dever de Gebo fraqueja. Não percebemos se ele quer fugir ou se quer entregar, embora acabe por tomar a última decisão. O sacrifício em lugar do filho respeita todos os princípios morais de Gebo, mas surge então a pergunta fulcral: de que lhe serviram esses princípios, se é a cadeia que o espera, a ele, um inocente? Esta questão é como uma dúvida que Oliveira coloca a todos os espectadores que vejam o seu filme, e é uma pergunta que faz todo o sentido no funcionamento actual do mundo: o que queremos nós fazer? Ser-se Kantiano ao ponto de tudo acatar, de nada duvidar, de cumprir as leis e normais e princípios morais da sociedade? Ou renegar tudo isso, mandar tudo à merda e, crendo que tudo é nada e que nada importa, tudo fazer consoante o nosso desejo e vontade? Cada um de nós encontrará uma resposta: ou o dever, ou a revolta, sendo claro, no entanto, que ninguém sairá indiferente. </span></span><br />
<span style="background-color: black; color: red; font-family: Helvetica, Arial, Verdana, 'Lucida Grande', Georgia, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 16px;">Se o filme enquanto interrogação moral ao espectador (apresentando cada personagem como uma hipótese de caminho a tomar) é brilhante em todos os aspectos, sofre, apesar disso, de problemas formais de grande importância: se o texto é bom e a fotografia é das melhores que vimos em digital, a montagem é problemática em muitos aspectos (o que é de estranhar, tendo em conta que a montagem sempre foi zona de experimentação e perfeição para Oliveira – basta lembrar Doiro, Faina Fluvial, Famalicão, o Pintor e a Cidade, Amor de Perdição, Palavra e Utopia, etc..). Esses problemas verificam-se tanto na construção da tensão dramática, como no tratamento temporal das cenas e sobretudo com questões de ritmo. As elipses estão trabalhadas de forma apressada, gerando uma confusão temporal que não é pretendida e que nunca permite perceber em que tempo estamos ou não. Depois, o tratamento em tempo real que é utilizado em grandes segmentos do filme (através dos inúmeros planos-sequência ou, na sua ausência, dos raccords de olhar, posição ou movimento) torna as cenas excessivamente longas e diminui a importância do texto. A sensação que temos (que não se verifica usualmente nos filmes de Oliveira) é de que o ponto de vista é meramente funcional, quando costuma, pelo contrário, ser fundamental: nos seus filmes, raramente o que é dito corresponde ao que é visto pela câmara. Esse jogo de Oliveira (que alcança o expoente máximo em Amor de Perdição) perde-se aqui completamente e torna as personagens menos interessantes e o que elas dizem apenas didáctico. Se é um problema da montadora ou da planificação, é difícil saber: o montador só pode montar com o que o realizador lhe dá. Mas fica-nos a estranheza de uma tensão inexistente, de um tempo confuso e perturbador, de uma câmara tão pouco interessante que dá pena e de um ritmo pouco estimulante que não valoriza o filme, mas que lhe retira todo o impacto. Acabamos assim com um objecto que é dos mais interessantes que temos visto este ano (ano de tão maus filmes, diga-se de passagem) mas que graças a uma montagem deficiente perde muitas das suas qualidades. </span><br />
<span style="background-color: white; color: #323232; font-family: Helvetica, Arial, Verdana, 'Lucida Grande', Georgia, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 16px;"><br /></span>
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiuxtngzm2ch49iky8cWqDYQ0qpsyAxyWmUEI4C7PFfi4BIFyEJPJJGnwffutxwswB29FL-nlyd9ApaQos7fH2FpE6tBesX3pruFKh2rBGCg6P7WpSm3HwEkvbBPFe4PcRDn8DggpF4h3o/s1600/phpThumb.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiuxtngzm2ch49iky8cWqDYQ0qpsyAxyWmUEI4C7PFfi4BIFyEJPJJGnwffutxwswB29FL-nlyd9ApaQos7fH2FpE6tBesX3pruFKh2rBGCg6P7WpSm3HwEkvbBPFe4PcRDn8DggpF4h3o/s400/phpThumb.jpeg" height="231" width="400" /></a>João Eçahttp://www.blogger.com/profile/07437740546670826688noreply@blogger.com0